Por Marcelo Semer*
Oroteiro é conhecido.
A periferia já convivia faz tempo com
a alta letalidade da Polícia Militar de São Paulo. Cerca de um quinto dos
homicídios do Estado são praticados por PMs. Índices bem superiores àqueles que
envolvem, por exemplo, os Estados Unidos.
Tudo o que o Estado não pode fazer é
agir como uma facção criminosa.
Nada justifica, nem mesmo a ideologia
de uma suposta linha-dura para combater o crime.
Quando o Estado cruza a linha que
distingue o legal do ilícito, já não se diferencia dos criminosos que pretende
combater.
Nunca é demais lembrar que o homicídio
da juíza Patrícia Acioly, que comoveu o país, e especialmente aqueles que se
utilizam do incremento da violência como discurso político, teria sido
provocado pela firmeza da magistrada em rejeitar simulações de autos de
resistência.
Aqueles mesmos, por meio dos quais,
homicídios de policiais estavam sendo fraudulentamente transformados em
exercícios regulares de direito.
Ao revés do que se supõe, a violência
estatal não traz eficácia nem sossego.
Quando a polícia é capaz de matar e
de mentir, quem nos dará a tranquilidade?
Dezenas de juristas estão percorrendo
o país nos últimos meses para discutir a edição de um novo Código Penal. Mas
que relevância terá o trabalho se concedermos a alguns agentes, por aval
superior ou omissão de quem tem fiscaliza, o poder de processar, julgar e
executar a lei penal em qualquer viela, quando o sol se põe?
A violência do Estado não é o oposto
da leniência com o crime –é exatamente seu combustível.
Estimular que pela vingança,
ideologia ou por um motivo qualquer de faxina ética ou social, policiais cruzem
a fronteira da legalidade, não turbina apenas a espiral da violência; também
catapulta agentes para o mundo do crime. Afinal, aonde se meterão policiais
responsabilizados por mortes ou aqueles que se acostumarem com o ofício?
A adesão de ex-matadores e
ex-torturadores sustentados pelo regime militar à ilegalidade vitaminou o crime
organizado com o fim da ditadura.
A convivência de policiais com os
trâmites do justiçamento não há de produzir resultado menos danoso. As milícias
cariocas talvez sejam o melhor exemplo dos perigos dessa promiscuidade.
Nenhum criminoso merece a impunidade,
nem mesmo como atributo de sua maior temeridade.
O “crescimento da violência” pode nos
revelar, talvez, o equívoco de termos estancado o processo de desarmamento –mas
não fazer com que as armas trabalhem indiscriminadamente mais.
A morte jamais pode ser a regra ou a
praxe de uma polícia.
Esse não é apenas o preço da
democracia. É também o preço da tranquilidade.
Porque de uma polícia que mata, nem a
polícia pode nos proteger.
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