Se não arrumar R$ 2 mil em duas horas, vamos despachar seu filho”. A ligação foi clara e direta. O policial militar que apreendeu M.J., 17 anos, enquanto ele cumpria a tarefa de “aviãozinho”, iria executá-lo. A missão do jovem era levar 100 petecas de pasta base de cocaína ao destino dado por um traficante em troca de R$ 10. Desde os 15 anos ele cumpre essa missão. O primeiro empregador foi seu tio, executado por policiais no mesmo local que selaria o destino do adolescente.
M.J não é o único. O tráfico de drogas é formado por uma rede complexa que mantém em seus nós mão de obra jovem. Amparados pela menor idade penal, muitos adolescentes se envolvem no submundo perigoso do narcotráfico almejando se tornarem grandes criminosos. Para a maioria deles, no entanto, não há escolha. Viciados e ameaçados, ajudam traficantes para não pagarem pelos erros com a vida.
No dia em que M.J encarou a morte, a mãe do adolescente, no outro lado da linha, entrou em desespero. Com a vida do filho nas mãos e revivendo a morte do irmão, a mulher explicou desesperada que não tinha o dinheiro e implorou misericórdia aos policiais. A ameaça não foi cumprida e M.J foi encaminhado a uma delegacia. Lá, ele conta que foi agredido pelo delegado. O motivo foi não ter em mãos a parte da propina que caberia ao investigador. Depois do espancamento, o jovem foi encaminhado à Divisão de Atendimento ao Adolescente (Data). Antes, ele prometeu que nada seria dito a respeito das ameaças e agressões.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) foi promulgado em 1990 e até hoje não é amplamente conhecido pela população. Em contrapartida, textos pontuais do ECA são amplamente discutidos. O Parágrafo Único do artigo 143, que trata da proibição de divulgação de imagens pela imprensa de adolescentes que cometem ato infracional é contestado. Já o artigo 121, que assegura que o adolescente não pode passar mais de três meses internado, é veementemente criticado por grande parte da população que deseja a redução da maioridade penal.
“São os artigos que tratam sobre como cuidar de adolescentes quando todo o resto do que propõe o Estatuto não funcionar, como direito à saúde, educação, proteção, etc. Porém, o conhecimento desse detalhe da Lei faz com que traficantes utilizem o ECA como escudo”,declarou Ronald Luz, educador popular. Por lutar pelos direitos e pela recuperação de adolescentes à margem da Lei, Ronald adquiriu respeito e pode circular entre os jovens nas baixadas e becos mais perigosos da Grande Belém.
Segundo o jornalista Zuenir Ventura, autor de obras como“1968: O ano que não terminou” e “1968 – O que fizemos de nós?” a forma como as drogas são encaradas, talvez, seja a pior herança que a geração anterior deixou à atual. Não exatamente pelo consumo, mas pela forma como o tráfico passou a ser combatido, numa tarefa semelhante a “enxugar gelo”, como Ventura define. De acordo com o autor, as drogas deveriam ser tratadas mais como questão de saúde pública e menos como questão de segurança pública.
“Meu irmão vendia droga em São Miguel do Guamá. E até onde eu sei, ele mal sabia de onde o bagulho vinha”, declarou V.M, que cumpre medida socioeducativa em um centro de recuperação de Ananindeua. O adolescente em questão, assim como outros dois que conversaram com o DIÁRIO, foram apreendidos por roubo. “É muito difícil um adolescente, ou até mesmo um adulto, sair pra meter o bicho sem tá chapado”, confessaram.
“Ponta” para a polícia é ganho de R$ 3 mil por semana
Nenhum dos adolescentes que declararam ter envolvimento com o tráfico de drogas admitiu pagar propina regular à Polícia Militar. Os jovens não negaram que exista a prática, mas, conforme explicaram, uma das mais árduas tarefas de quem vende entorpecentes é não ser flagrado. Refinamento, empacotamento e venda em lugares alternados são algumas das estratégias adotadas para burlar a fiscalização. Além disso, pedir para “aviões” mais novos entregarem as encomendas e evitar atividade em plantões dos mesmos policiais que já os detiveram também ajuda. O objetivo é o mesmo: evitar ser apreendido ou correr o risco de “compartilhar os lucros” do negócio com a Polícia Militar ou Civil.
“Eu fui apreendido quatro vezes. Nas primeiras três vezes eu fiz acerto, só na quarta eu não tinha dinheiro para pagar o que eles me pediram, então fui apreendido”, denunciou D.S, 17 anos, que há dois tenta crescer no mundo do tráfico. Ele teve que desembolsar, em média, R$ 400 nas primeiras vezes que foi pego. Na última, porém, D.S não teve a mesma sorte. Ele estava com todas as drogas que tinha acabado de produzir. “Me pediram R$ 800, mas, por não ter feito o material girar, não tinha de onde tirar”, explicou o jovem.
Segundo D.S, o lucro semanal de quem tem até dois pontos de venda chega “fácil” a R$ 3 mil. Em geral, o dinheiro é gasto na compra de material necessário para produzir mais entorpecentes. Farras regadas a muita cerveja e drogas também consomem boa parte do que é ganho. No entanto, D.S mostra maturidade ao falar sobre os riscos de se tornar um dependente químico. “Quem tem visão do negócio e quer crescer não consome. Quando eu vou pras festas, eu mando descer mesmo os baldes, mas não provo uma gota. Nem fumo, nem cheiro”, esclareceu.
Questionado se pretende um dia deixar de vender droga, D.S é enfático: “Nunca! O que eu quero é me aprimorar mais no negócio para não ser pego nunca mais”, enfatizou. Outro adolescente ouvido pela reportagem disse que, nas festas da periferia, os jovens que se envolvem com tráfico ou roubo possuem status diferentes. “Quando você chega numa gatinha, ela pergunta logo se você é de 157 ou é do tráfico. Se for do tráfico e mostrar que é granado, você pega é mesmo. De 157 já é mais difícil”, disse.
Fonte: Diário do Pará
Nenhum comentário:
Postar um comentário