Escopas era um poderoso rei da Tessália que não
admitia e ninguém era audaz para contestar seu poder. Riquezas chegavam às suas
mãos e reinos vizinhos quase sempre vinham lhe trazer honrarias em presentes.
Ainda assim, Escopas não se sentia completo, suficiente e absolutamente feliz.
"O que lhe falta ainda?" - perguntavam-lhe, mas ele não sabia
responder.
Certo dia Escopas escutou a música e os poemas de
Simônides, o príncipe dos poetas de toda a Grécia. Escopas compreendeu tudo e
alegremente mandou chamar o poeta. Ao vê-lo, o rei ordenou que ele fizesse um
poema celebrando em versos inesquecíveis as suas gloriosas façanhas, que fosse
tão extraordinário que haveria de ser cantado e repetido pelas gerações através
dos tempos.
Simônides entendeu que para exaltar o rei em versos
teria de fazer uma peregrinação desde os feitos gloriosos dos seus ancestrais,
fazendo comparações que elevariam o mérito do homenageado ao erguer as suas
virtudes. Tentando elaborar os primeiros versos da imensa Epopéia, Simônides
não encontrava algo do qual o rei poderia vangloriar-se, apenas crimes e
barbaridades marcavam o rei e também seus antepassados.
Ambição, inveja, ciúmes, assassinatos, estupros e
ações cruéis eram os temas encontrados, mas nenhum feito justo, humano e
glorioso, por menor que fosse, havia para ser narrado. Mas o talento superior
do poeta conseguiu transformar com beleza aquelas atrocidades selvagens. No dia
da primeira audição de seu poema, reuniram-se o rei e toda sua corte. E assim
começou Simônides:
- " Escopas, poderoso rei da Tessália, temido
e amado pelos súditos e pelos reis de toda a Grécia, aqui está o produto do meu
suado labor, que não tem outro fim senão o de contar em versos perfeitos a
trama sublime que as Moiras divinas teceram para compor o tapete glorioso de
vossa vida ".
Dando início à sua maravilhosa epopéia, todos os
circunstantes bebiam suas palavras como quem sorve um saboroso vinho até que o
poeta entrou numa vereda do seu poema. Em uma longa divagação, Simônides exaltava
as virtudes guerreiras e honradas dos irmãos Castor e Pólux, mas que na verdade
pouco tinham a ver com as do homenageado. As excessivas divagações atingiram a
vaidade do rei que não se sentiu feliz com as comparações. Sentado à mesa do
banquete entre seus cortesões e aduladores, Escopas resmungava insatisfeito com
o relato das proezas dos filhos gêmeos de Leda e Zeus sem nenhuma menção aos
seus feitos.
Entregue à longa recitação, Simônides continuava a
exaltar os feitos dos gêmeos até que finalmente encerrou sua brilhante epopéia.
Aplausos entusiásticos evocaram por todo o salão, mas se tornara evidente a
todos que o poeta havia glorificado e exaltado Castor e Polux porque não
encontrara o que exaltar em Escopas, um modo sutíl que o poeta encontrou para
mostrar isso ao rei.
Chegada a hora do rei pagar a quantia prometida,
reverentemente do trono o rei abriu um baú de riquezas, mas para supresa de
Simônides o rei entregou-lhe apenas metade ficando com a outra metade, dizendo
que pagaria apenas a metade já que o poeta havia exaltado tanto os gêmeos,
caberia a eles pagar o restante. Humilhado com as gargalhadas de deboche que se
seguiram, Simônides retornou ao seu lugar mas um lacaio anunciou que havia dois
homens fora do palácio procurando por Simônides.
Simônides saiu para os jardins mas não encontrou
ninguém à sua espera, senão um saco cheio de moedas. Porém quando retornava
para o palácio escutou um terrível ruído e diante de seus olhos viu a cúpula do
palácio ruir sobre o salão de banquetes. Sepultados sob pilhas de escombros
jaziam os corpos de todos os convidados que há pouco o haviam ridicularizado.
Entre eles, estava o rei com seu corpo dilacerado em meios aos destroços, com
seu baú vazio e entre seus dentes havia uma moeda: o óbulo dos mortos. Posteriormente
Simônides não teve dúvida de que Castor e Polux teriam vindo pagar a sua parte.
**************
O mito de Escopas nos remete à sabedoria de
criticar e de receber críticas. Todos nós somos programados para defender nosso
ego a qualquer custo e é natural surgir o desejo de reagir defensivamente
quando ouvimos uma crítica, embora possamos conter-nos apenas ouvindo. É
preciso aprender a ouvir uma crítica, mas isso é uma habilidade que se adquire
com o treino e compreensão.
Qualquer crítica deve ter um tempo de
processamento, para refletir se existe verdade no que nos é dito e se existe
algo que possamos aprender com a crítica. Temos o livre arbítrio para escolher
o que fazer com as informações recebidas. Muitas vezes é importante escutar,
perguntar e compreender como os outros formam opinião a nosso respeito ou
nossas atitudes. Para isso é preciso acalmar as defesas, tranquilizar-nos e
reafirmar a segurança que temos em nós mesmos.
As palavras dos outros não tem nenhum poder sobre
nós, são apenas palavras. Uma crítica não precisa ser necessariamente rebatida,
a menos que concordemos com ela e estejamos tentando negá-la. Afastar-nos das
reações emocionais que nos levam a rebater ou negar as críticas, é o melhor
meio de enfrentá-las. É preciso um tempo para pensarmos no assunto.
Sempre podemos aprender com uma crítica, em vários
níveis. Todas as pessoas cometem erros e nós também. Perceber que algo poderia
ter sido feito melhor, nos torna mais competentes. Se alguém aponta um erro que
cometemos sem perceber, a atitude mais coerente seria agradecermos pela
oportunidade de melhorar. Não há motivos para reagirmos ou nos sentirmos
ofendidos. Agir com maturidade e serenidade, é uma decisão que nos torna
melhores e confiantes.
Se uma crítica não se aplica a nós ou não há
verdade no que está sendo dito, a atitude mais coerente é desconsiderar. Também
não há motivos para nos ofendermos com o que não se aplica a nós. Muitas vezes
as pessoas podem enxergar em nós algo que na verdade pertence a ela mesma ou
tentar jogar sobre nós algo que sente em relação a outra pessoa. É a entrega da
mensagem no endereço errado e, nesse caso, devemos apenar devolver a encomenda,
não há necessidade de se alterar ou agredir a pessoa.
Uma reação exagerada a uma crítica que se julga
infundada, pode ser um sinal de que não é tão infundada assim. É preciso
pensarmos: se algo nos incomoda é porque concordamos. Qual seria nossa reação
se alguém falasse que somos irresponsáveis porque não evitamos um temporal que
inundou a cidade. Provavelmente iríamos considerar como uma anedota e
seguiríamos tranquilamente nosso dia. Da mesma forma deve ser encarada uma
crítica que não nos diz respeito, podemos apenas rir da insensatez de quem a
pronuncia.
Mas há o outro lado da moeda. Quando pensamos em
dizer algo a alguém, devemos prestar atenção às nossas papilas. Se sentimos um
gosto amargo na boca, é sinal de que ainda não estamos prontos para
exteriorizar uma crítica, porque criticar não é envenenar o mundo. Quando
estamos tomados pela emoção, a crítica se torna nociva.
Uma crítica construtiva deve ter o ensejo generoso
de ajudar alguém, trazendo à consciência algo que o outro não percebe. Porém
quando há o desejo secreto de fazer os outros se sentirem mal ou de expo-los ao
ridículo, a crítica se torna envolta no prazer de mostrar superioridade
apontando o erro alheio. É a crítica maldosa que destrói.
A crítica saudável é aquela que brota da sabedoria
pacífica da mente e vem envolta na suavidade do coração. Por isso, antes de
dizer algo para alguém, devemos observar de onde vem as palavras. Quando as
palavras estão envoltas em paixões e emoções, elas são insensatas e precisam se
acalmar antes de serem ditas.
A crítica construtiva é calma, pacífica e amorosa,
fundamentada em argumentos racionais, isenta do fogo das emoções e brotam do
desejo genuíno de ajudar e fazer um bem pelo outro. Toda crítica deve ter uma
forma apropriada de ser colocada e no momento mais apropriado,
preferencialmente longe dos ouvidos alheios. As palavras são como folhas ao
vento; uma vez soltas é impossível retê-las...
Nenhum comentário:
Postar um comentário