quarta-feira, 8 de maio de 2013

Escopas e a sabedoria de receber críticas




Escopas era um poderoso rei da Tessália que não admitia e ninguém era audaz para contestar seu poder. Riquezas chegavam às suas mãos e reinos vizinhos quase sempre vinham lhe trazer honrarias em presentes. Ainda assim, Escopas não se sentia completo, suficiente e absolutamente feliz. "O que lhe falta ainda?" - perguntavam-lhe, mas ele não sabia responder.

Certo dia Escopas escutou a música e os poemas de Simônides, o príncipe dos poetas de toda a Grécia. Escopas compreendeu tudo e alegremente mandou chamar o poeta. Ao vê-lo, o rei ordenou que ele fizesse um poema celebrando em versos inesquecíveis as suas gloriosas façanhas, que fosse tão extraordinário que haveria de ser cantado e repetido pelas gerações através dos tempos.

Simônides entendeu que para exaltar o rei em versos teria de fazer uma peregrinação desde os feitos gloriosos dos seus ancestrais, fazendo comparações que elevariam o mérito do homenageado ao erguer as suas virtudes. Tentando elaborar os primeiros versos da imensa Epopéia, Simônides não encontrava algo do qual o rei poderia vangloriar-se, apenas crimes e barbaridades marcavam o rei e também seus antepassados.

Ambição, inveja, ciúmes, assassinatos, estupros e ações cruéis eram os temas encontrados, mas nenhum feito justo, humano e glorioso, por menor que fosse, havia para ser narrado. Mas o talento superior do poeta conseguiu transformar com beleza aquelas atrocidades selvagens. No dia da primeira audição de seu poema, reuniram-se o rei e toda sua corte. E assim começou Simônides:

- " Escopas, poderoso rei da Tessália, temido e amado pelos súditos e pelos reis de toda a Grécia, aqui está o produto do meu suado labor, que não tem outro fim senão o de contar em versos perfeitos a trama sublime que as Moiras divinas teceram para compor o tapete glorioso de vossa vida ".

Dando início à sua maravilhosa epopéia, todos os circunstantes bebiam suas palavras como quem sorve um saboroso vinho até que o poeta entrou numa vereda do seu poema. Em uma longa divagação, Simônides exaltava as virtudes guerreiras e honradas dos irmãos Castor e Pólux, mas que na verdade pouco tinham a ver com as do homenageado. As excessivas divagações atingiram a vaidade do rei que não se sentiu feliz com as comparações. Sentado à mesa do banquete entre seus cortesões e aduladores, Escopas resmungava insatisfeito com o relato das proezas dos filhos gêmeos de Leda e Zeus sem nenhuma menção aos seus feitos.

Entregue à longa recitação, Simônides continuava a exaltar os feitos dos gêmeos até que finalmente encerrou sua brilhante epopéia. Aplausos entusiásticos evocaram por todo o salão, mas se tornara evidente a todos que o poeta havia glorificado e exaltado Castor e Polux porque não encontrara o que exaltar em Escopas, um modo sutíl que o poeta encontrou para mostrar isso ao rei.

Chegada a hora do rei pagar a quantia prometida, reverentemente do trono o rei abriu um baú de riquezas, mas para supresa de Simônides o rei entregou-lhe apenas metade ficando com a outra metade, dizendo que pagaria apenas a metade já que o poeta havia exaltado tanto os gêmeos, caberia a eles pagar o restante. Humilhado com as gargalhadas de deboche que se seguiram, Simônides retornou ao seu lugar mas um lacaio anunciou que havia dois homens fora do palácio procurando por Simônides.

Simônides saiu para os jardins mas não encontrou ninguém à sua espera, senão um saco cheio de moedas. Porém quando retornava para o palácio escutou um terrível ruído e diante de seus olhos viu a cúpula do palácio ruir sobre o salão de banquetes. Sepultados sob pilhas de escombros jaziam os corpos de todos os convidados que há pouco o haviam ridicularizado. Entre eles, estava o rei com seu corpo dilacerado em meios aos destroços, com seu baú vazio e entre seus dentes havia uma moeda: o óbulo dos mortos. Posteriormente Simônides não teve dúvida de que Castor e Polux teriam vindo pagar a sua parte.

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O mito de Escopas nos remete à sabedoria de criticar e de receber críticas. Todos nós somos programados para defender nosso ego a qualquer custo e é natural surgir o desejo de reagir defensivamente quando ouvimos uma crítica, embora possamos conter-nos apenas ouvindo. É preciso aprender a ouvir uma crítica, mas isso é uma habilidade que se adquire com o treino e compreensão.

Qualquer crítica deve ter um tempo de processamento, para refletir se existe verdade no que nos é dito e se existe algo que possamos aprender com a crítica. Temos o livre arbítrio para escolher o que fazer com as informações recebidas. Muitas vezes é importante escutar, perguntar e compreender como os outros formam opinião a nosso respeito ou nossas atitudes. Para isso é preciso acalmar as defesas, tranquilizar-nos e reafirmar a segurança que temos em nós mesmos.

As palavras dos outros não tem nenhum poder sobre nós, são apenas palavras. Uma crítica não precisa ser necessariamente rebatida, a menos que concordemos com ela e estejamos tentando negá-la. Afastar-nos das reações emocionais que nos levam a rebater ou negar as críticas, é o melhor meio de enfrentá-las. É preciso um tempo para pensarmos no assunto.

Sempre podemos aprender com uma crítica, em vários níveis. Todas as pessoas cometem erros e nós também. Perceber que algo poderia ter sido feito melhor, nos torna mais competentes. Se alguém aponta um erro que cometemos sem perceber, a atitude mais coerente seria agradecermos pela oportunidade de melhorar. Não há motivos para reagirmos ou nos sentirmos ofendidos. Agir com maturidade e serenidade, é uma decisão que nos torna melhores e confiantes.

Se uma crítica não se aplica a nós ou não há verdade no que está sendo dito, a atitude mais coerente é desconsiderar. Também não há motivos para nos ofendermos com o que não se aplica a nós. Muitas vezes as pessoas podem enxergar em nós algo que na verdade pertence a ela mesma ou tentar jogar sobre nós algo que sente em relação a outra pessoa. É a entrega da mensagem no endereço errado e, nesse caso, devemos apenar devolver a encomenda, não há necessidade de se alterar ou agredir a pessoa.

Uma reação exagerada a uma crítica que se julga infundada, pode ser um sinal de que não é tão infundada assim. É preciso pensarmos: se algo nos incomoda é porque concordamos. Qual seria nossa reação se alguém falasse que somos irresponsáveis porque não evitamos um temporal que inundou a cidade. Provavelmente iríamos considerar como uma anedota e seguiríamos tranquilamente nosso dia. Da mesma forma deve ser encarada uma crítica que não nos diz respeito, podemos apenas rir da insensatez de quem a pronuncia.

Mas há o outro lado da moeda. Quando pensamos em dizer algo a alguém, devemos prestar atenção às nossas papilas. Se sentimos um gosto amargo na boca, é sinal de que ainda não estamos prontos para exteriorizar uma crítica, porque criticar não é envenenar o mundo. Quando estamos tomados pela emoção, a crítica se torna nociva.

Uma crítica construtiva deve ter o ensejo generoso de ajudar alguém, trazendo à consciência algo que o outro não percebe. Porém quando há o desejo secreto de fazer os outros se sentirem mal ou de expo-los ao ridículo, a crítica se torna envolta no prazer de mostrar superioridade apontando o erro alheio. É a crítica maldosa que destrói.

A crítica saudável é aquela que brota da sabedoria pacífica da mente e vem envolta na suavidade do coração. Por isso, antes de dizer algo para alguém, devemos observar de onde vem as palavras. Quando as palavras estão envoltas em paixões e emoções, elas são insensatas e precisam se acalmar antes de serem ditas.

A crítica construtiva é calma, pacífica e amorosa, fundamentada em argumentos racionais, isenta do fogo das emoções e brotam do desejo genuíno de ajudar e fazer um bem pelo outro. Toda crítica deve ter uma forma apropriada de ser colocada e no momento mais apropriado, preferencialmente longe dos ouvidos alheios. As palavras são como folhas ao vento; uma vez soltas é impossível retê-las...

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