quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Morreu Nelson Mandela (1918-2013): a liberdade como obra.


O primeiro Presidente negro da África do Sul morreu nesta quinta-feira (05/12), anunciou Jacob Zuma, Presidente sul-africano. O líder da luta anti-apartheid tinha 95 anos.Nelson Mandela foi um homem de gestos. Como este: apenas aceitou sair da prisão quando recebeu garantias de que todos os outros prisioneiros políticos seriam libertados como ele. O advogado e ativista acreditou na luta pela libertação de todo um povo. Depois de 27 anos preso, foi eleito o primeiro Presidente negro na África do Sul. O seu legado vai muito além do seu país e do tempo em que viveu. Morreu nesta quinta-feira, com 95 anos, na sua casa em Joanesburgo.


Quando anunciou que deixava a política, Nelson Mandela fê-lo com a mesma naturalidade com que dizia: “Toda a gente morre.” Escolheu deixar a presidência da África do Sul no fim do primeiro mandato dois anos depois de decidir abandonar a liderança do Congresso Nacional Africano (ANC), que transformou num farol da luta de libertação do seu país. Na sombra, manteve uma atividade pública, por vezes próxima da política. Estávamos em 1999.


Cinco anos depois, com 86 anos, anunciou brincando que ia “reformar-se da reforma”. Era a sua maneira de dizer que desta vez era mesmo de verdade. “Não me telefonem, eu telefono-vos”, disse na altura num encontro com jornalistas. “Não lhe telefonamos”, escreveu o jornalista Ido Lekota em 2010 no jornal The Sowetan“mas a sua figura ‘maior do que a vida’ continua a pairar sobre a nossa democracia e o panorama político [da África do Sul].”



Hoje, três anos depois, Ido Lekota continuaria provavelmente a escrever o mesmo do líder da luta anti-apartheid, preso durante 27 anos por lutar contra o regime segregacionista da África do Sul, que foi prêmio Nobel da Paz (com Frederik de Klerk) em 1993 e primeiro Presidente negro da África do Sul eleito um ano depois. “O estadista mais amado” do mundo, como se lhe referiu em tempos o New York Times, esteve internado este ano, com uma infecção pulmonar, como o foi várias vezes nos últimos dois anos. Deixa uma obra completa: um país que imaginou e criou a partir de um ideal.



Advogado, líder da luta anti-apartheid, defensor do uso de armas em nome de uma luta igual com o opressor, Nelson Rolihlahla Mandela conseguiu ter do seu lado pacifistas como o arcebispo Desmond Tutu, que foi Nobel da Paz antes dele, em 1984, e que, quando Mandela esteve internado, rezou pelo “conforto e dignidade” daquele que considera ser “o ícone mundial da reconciliação”. Também foi o arcebispo Desmond Tutu quem disse, num dos últimos aniversários de Mandela, a 18 de Julho, que a melhor prenda que ele podia receber era que as pessoas fossem como ele, era saber que as pessoas seguiriam o seu exemplo.



De pessoa revoltada a magnânima

Tutu previu ser este um Momento Traumático para a África do Sul, o da perda de Mandela, figura que descreveu como “um ser humano fantástico”, numa entrevista em Junho de 2012 ao PÚBLICO, em Lisboa.


“Quando vai para a prisão, é uma pessoa zangada, revoltada, que acredita na violência como meio de conquistar a liberdade. E, quando sai, emerge como uma pessoa extraordinariamente magnânima. O sofrimento por que passou ajudou-o a suavizar a sua posição. (…) Ele acreditava convictamente que se é líder pelas pessoas que são lideradas e não em benefício próprio. Fomos incrivelmente abençoados por termos Madiba [Mandela] aos comandos, num momento histórico para o nosso país. (…).”



Pelo menos até ao fim de 2010, o ex-Presidente sul-africano continuava, todos os meses, a receber quatro mil mensagens do mundo inteiro. Algumas com uma homenagem, outras a desejarem-lhe uma reforma tranquila e feliz, segundo a Fundação Nelson Mandela, em Dezembro de 2010, que, na declaração também recebida pelo PÚBLICO, juntou um pedido a todos para se coibirem de pedir autógrafos, declarações, entrevistas ou aparições públicas em apoio a algum evento, de forma a “ajudar a tornar a reforma de Madiba um período de paz e tranquilidade”.



Seguiram-se meses e anos difíceis em que a sua saúde se deteriorou. E durante esta última permanência no hospital, à porta da sua casa em Joanesburgo e do hospital em Pretória, muitas flores foram deixadas com mensagens a desejar as melhoras ou a dizer: “Tata Madiba: Graças a ti, temos orgulho em ser sul-africanos.” Ou com promessas: “Prometemos viver em paz e harmonia.”



Descendente do rei thembu



O desejo de Mandela, expresso na autobiografia Longo Caminho para a Liberdade, era ser enterrado junto dos seus antepassados em Qunu, no Transkei, província do Cabo Oriental, onde nasceu em 1918, e foi educado para ser, como o pai falecido, conselheiro do rei thembu, Jongintaba Dalindyebo.



Era descendente de Ngubengcuka, que tinha antes sido o rei dos thembu, incluídos no mais vasto grupo linguístico dos xhosa. Mandela descreve o rei, que foi seu pai adotivo e do qual teria sido conselheiro, se não tivesse partido para Joanesburgo, como “um homem tolerante e esclarecido que tinha alcançado o objetivo [que caracteriza] todos os grandes líderes: manter o seu povo unido”.



Este “grande líder” acolhera Mandela com nove anos, após a morte do pai que, anos antes, ficara desapossado de tudo por desafiar um representante da administração britânica. A mãe, sem condições para o criar, entregou-o ao rei. Mandela aprendeu a escutar os anciãos. 



Os vários nomes de Mandela 



Mandela é muitas vezes chamado, na África do Sul, por "Tata", que significa "pai", ou por "khulu" que é "grandioso" – ambos na língua xhosa. Mas Mandela é sobretudo referido, em sinal de respeito, por "Madiba" – nome de um chefe thembu que reinou no Transkei no século XVIII, o nome do clã de Mandela que é mais importante do que o apelido.



Na clandestinidade, a partir de 1961, vestiu a pele de um David Motsamayi; disfarçou-se várias vezes de motorista, cozinheiro, jardineiro.

Não foi conselheiro, nem rei, mas a sua educação de aristocrata, os estudos de advocacia, o carisma e dedicação à luta anti-apartheid fizeram dele o líder inquestionável do ANC e principal ícone da libertação da África do Sul. Não aceitou ser libertado da prisão, enquanto não fossem instituídos o fim do apartheid e o fim da proibição do ANC, o levantamento do estado de emergência e a libertação dos outros presos políticos.


“Eu prezo muito a minha liberdade, mas prezo ainda mais a vossa”, escreveu num discurso lido pela filha Zindzi, num comício no Soweto, em 1985, dirigido aos africanos e membros do ANC.







Em defesa das armas



“Nunca irei lamentar a decisão que tomei em 1961, mas gostaria que um dia a minha consciência estivesse tranquila”, disse referindo-se à decisão tomada nesse ano de passar à clandestinidade e formar o MK (Umkhonto we Sizwe – A lança da nação) de que foi primeiro comandante-chefe e que se tornou a ala militar do ANC. Viria a ser condenado a prisão perpétua em 1964 por sabotagem e conspiração.



Passou 18 anos na prisão de alta segurança de Robben Island. Esteve depois na prisão de Pollsmoor, e já no final foi transferido para a cadeia de Victor Verster perto da Cidade do Cabo. 



Nos 23 anos que viveu depois de libertado, concluiu a missão, iniciada ainda na cadeia, de negociar o fim do apartheid com o Governo do Partido Nacionalista e foi eleito primeiro Presidente negro da África do Sul. Depois de terminado o mandato de cinco anos, retirou-se da política e passou a dedicar-se, através da fundação com o seu nome, a uma nova causa – o combate e a prevenção da sida – à qual se sentia especialmente ligado.







 Quando Mandela esteve esta última vez no hospital, Graça Machel agradeceu emocionada as muitas mensagens a desejar as melhoras do ex-Presidente vindas da África do Sul, do continente e do resto do mundo. Nessa mensagem pública e universal, Graça Machel dizia estar reconhecida a todos os que tinham, com isso, “feito uma diferença, na recuperação” de Mandela numa alusão às palavras do próprio: “O que conta na vida não é o fato de termos vivido. É a diferença que fizemos para a vida dos outros.”


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